Quando não sabemos para quem escrevemos, as palavras desenham-se sob os nossos dedos. É como falar ao coração, dizer a verdade a nós próprios. Depois resta um friozinho na espinha, quando nos apercebemos que alguém de facto lê, comenta, mas melhor ainda: gosta. Mas será sempre assim?
Não gosto de o pensar porque tenho medo de perder a naturalidade deste meu fluxo, tantas vezes intermitente mas tão real. Mas por vezes imagino o que seria se fosse lido por todos: os do passado, presente e futuro, porque os que ainda estão para vir poderão ser os mais duros críticos, os mais ferozes e mais atentos. Mas para já, relaxo nas variáveis, re-dimensiono a minha escala e aprendo a gostar de dizer o que me vai na alma. Agora é mais fácil. Não me sinto mais em dívida.
Estes dias, em jeito de revelação, descobri que o filme que nós fazemos dos outros é tão terrivelmente improvável como o que eles fazem de nós. E no final, estamos todos redondamente enganados quando nos escondemos por trás do bater nas nossas pestanas e fingimos que não vimos. A verdade é bem menos sedutora que esta nossa longa-metragem, porque a vida continua a correr ao toque da nossa respiração e apenas os cenários mudam verdadeiramente. Nós podemos crescer, viver novos amores, conhecer amigos para a vida e mudar a marca da cerveja favorita. Podemos deixar de fumar, juntar-mo-nos a novos cultos e fugirmos para idílicos locais onde vamos finalmente entrar em contacto com o nosso verdadeiro eu. Podemos perder a cabeça, esquecer as crenças, mudar de emprego ou país, ou até transformar os hábitos. Mas somos os mesmos. Antes ou depois da tempestade, sempre à espera da tal bonança, a que nos vai finalmente vingar por todo o tempo perdido em investimentos do coração.
Por isso, não quero fugir, virar a cara ou perder-me nestes silêncios constrangedores. Quero que leiam e quero ler o dos outros. Quero que se façam pazes, se festejem os encontros e que não se perca tudo, assim, por medo e despeito.
Não me esforço mas, sem dúvida, não me nego...
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